Se você tivesse que pensar no seu livro favorito, o que ele tem de tão especial? Foram os personagens que te cativaram? Ou quem sabe foi o tema que te envolveu, ou ainda o estilo que o livro foi escrito? Caso tenha sido o tema ou o estilo, ou ambos, você acha que o livro continuaria tão bom se os personagens fossem fracos e/ou superficiais?
Uma das peças vitais para que uma história seja boa é ter personagens que pareçam pessoas reais, mesmo que a vida deles seja diferente da nossa ou que eles estejam passando por uma situação totalmente estrangeira a nossa realidade, os personagens ainda devem conter “humanidade” para que possamos envolver e conquistar o leitor. Personagens precisam ter dimensão, devem despertar empatia e necessitam ter um conflito (para mover a história, senão qual é o objetivo?).
Não existe nada mais frustrante do que começar a ler um livro e descobrir que os personagens são fracos, que não funcionam como um ser real. Ás vezes fazem coisas que não fazem sentido e até desafiam o senso comum. São iguais aqueles bonecos de papelão usados em stands de venda: bonito de longe, mas de perto não enganam ninguém.
E como construir um personagem original e único? Uma dica é pensar em todas coisas que “fazem” uma pessoa. Somos um pouquinho do país que vivemos, da família que temos, do nosso emprego, dos nossos hobbies, dos nossos amigos, das nossas crenças, das nossas descrenças, das nossas alegrias, das nossas tristezas, das nossas -boas e más- experiências.
Temos inumeras qualidades, mas também defeitos. Temos inseguranças e medos, sonhos e ambições, desejos e obstáculos que precisamos passar. Podemos ser fortes e resilientes, mas não somos infalíveis. Somos seres complexos com personalidades distintas e assim também devem ser nossos personagens.
O personagem é aquilo que ele faz (ação)
As ações de um personagem revelam muito para o leitor. Assim como muitas vezes somos mais verdadeiros e honestos nas nossas ações do que nas nossas palavras -mesmo que em alguns momentos não estamos conscientes disto- isso não seria diferente com personagens fictícios.
Vamos falar de uma personagem minha, Claire. Ela tem um grupo de amigos e sempre diz para todos “eu sou uma boa pessoa”. Mas sempre que Claire lida com alguém que ela considera inferior, como um garçom ou manobrista, Claire os trata muito mal.
O leitor vai começar a ter uma idéia sobre quem é Claire, mesmo que você não tenha escrito nada sobre ela antes. Este é o poder da ação.
A personalidade do seu personagem fica mais evidente nos momentos em que ele interage com os outros, e as ações que ele tem quando sob pressão e/ou estresse revelarão ainda mais: quem ele realmente é.
Stephen King, por exemplo, não dedica várias páginas descrevendo seus personagens. Muitas vezes ele os joga na trama e grande parte do que aprendemos sobre eles, principalmente no início, é via interações que os personagens tem entre si.
Lembre-se da frase famosa “as ações falam mais alto do que as palavras”. Por mais clichê que seja, ainda é verdadeira.
O personagem é aquilo que ele pensa e sente (pensamento)
Dependendo de qual PoV (ponto de vista) que você vai usar para escrever sua história, é possível escrever exatamente como seus personagens se sentem e o que pensam, principalmente se você estiver escrevendo em 1ª pessoa.
Caso não seja 1ª pessoa, os sentimentos podem se tornar evidentes através do tom de voz e linguagem corporal, e como um personagem pensa e as coisas que ele acredita geralmente são esclarecidas/reveladas pelas coisas que ele diz.
Com um grupo de colegas de escola que não temos intimidade, nossa linguagem corporal pode ser mais séria e neutra, mesmo quando fingimos naturalidade; quando estamos com nossos besties temos outra postura, leve e descontraída.
Ainda no exemplo de Claire, o personagem acima, ela pode pensar que é uma boa pessoa, mas com seu comportamento não condiz com o que ela pensa sobre si mesma, o que pode significar que ela não se conhece tão bem quanto imagina ou simplesmente é uma hipócrita.
O personagem é aquilo que ele fala (linguagem)
Um personagem que usa certos jargões específicos (um médico?), ou gírias (um produtor musical?), ou xingamentos (um malandro trapaceiro?), ou fala corretamente (um senhor das antigas?), etc, todas essas coisas ajudam a montar o personagem. Afinal, o que fazemos quando queremos conhecer alguém? Nós conversamos com essa pessoa.
Além do vocabulário, a maneira de se expressar pode dar dicas sobre o que esta acontecendo no íntimo do seu personagem: fala rápida demais pode demonstrar nervosismo, fala hesitante pode demonstrar timidez, insegurança ou até culpa, dificuldade em falar sobre algo em especial pode indicar um conflito ou desejo em manter um segredo.
O personagem é aquilo que veste (aparência)
Vivendo em sociedade é importante não julgar ou presumir algo apenas pela aparência que o outro tem, mas na literatura e no cinema temos licença para usar o vestuário e a aparência para dar suporte a personalidade dos personagens.
Quem consegue imaginar James Dean em “Rebelde sem Causa” sem sua icônica jaqueta vermelha, camiseta branca e calça jeans? Essas peças eram revolucionárias naquela época (1955) e sinalizavam que ele possivelmente era um delinqüente. Ou quem consegue imaginar Lisbeth Salander usando vestidinhos boho chic e flores no cabelo? Não seria Lisbeth, com certeza.
Lembre-se que você não precisa ser óbvio ou exagerado na descrição do seu personagem, ás vezes pequenos detalhes podem revelar muito, como alguém que se veste discretamente mas usa várias jóias de 24K, ou um personagem com unhas compridas e pêlos saindo do ouvido e nariz. Outro fato a considerar é o efeito que um personagem causa nos outros (medo, amor, repulsa, nojo) e a reação dos outros personagens a ele.
Claro que podemos criar personagens que se vestem e se comportam de maneira oposta aquilo que todos estamos acostumados, mas lembre-se que ainda assim estará usando o vestuário e a aparência para sinalizar algo.
No próximo post vamos falar sobre os desejos, mudanças, traços de constraste, consistência de personagens e muito mais.