Vamos falar de mais um pilar essencial para que seu livro seja bem sucedido: o cenário, também conhecido como millieu, setting ou até como construção do universo.

O primeiro passo é pensar na estória que deseja contar e em como o cenário poderá ajudar, ou até mesmo influenciar você a contar esta estória. O cenário não precisa ser apenas o pano de fundo para seus personagens, mas pode ser uma parte ativa e importante na trama.
Veja como J. K. Rowling misturou Inglaterra e o universo mágico é quase um personagem a parte em Harry Potter, e depois repetiu a formula em Animais Fantásticos e Onde Habitam. Ou ainda Dan Brown, que usou locais famosos que todos nós já ouvimos falar (Louvre, Vaticano, etc) com misticismo e sociedades secretas para os livros de Robert Langdon. Ou J. R. R. Tolkien que criou um universo simplesmente fascinante em O Senhor do Anéis. Será que alguns destes livros funcionariam tão bem se o cenário fosse apenas um detalhe?
O cenário onde sua estória vai se passar não é apenas o local físico, a geografia e o clima, mas também suas particularidades, como a cultura e costumes locais (uma cidade grande pode ser mais relax em relação a certas coisas, enquanto uma cidadezinha do interior pode ser mais conservadora, o que certamente afetará o comportamento dos personagens), a estrutura social, política e até religiosa da região, e claro, sua história e mitologia.
Alguns escritores criam um universo inteiro, mas nem toda estória precisa de um cenário tão elaborado. Mesmo que você não crie um universo complexo como o de Tolkien, o cenário ainda pode dar o tom para o que você esta escrevendo. Um romance que se passa no verão em uma praia paradisíaca, por exemplo, vai ter uma energia bem diferente de um romance que se passa num sci-fi dark e futurista.
E como fazer isso? Já sabemos que a descrição é importante para que você coloque o leitor no universo do seu livro: faça descrições vívidas para que ele mergulhe no seu universo, e uma das maneiras mais certeiras de fazer isso é usando os sentidos.
Um local não é só feito de descrições literais, mas das sensações que ele transmite: uma estação de metrô não é apenas super iluminada e lotada de gente, mas também o som do ar que é empurrado pelos túneis com a chegada dos vagões, o som do freio nos trilhos, os passos das pessoas nas plataformas, o cheiro do carrinho de churros ou do perfume de alguém que cruza seu caminho, as cores vibrantes dos cartazes e propagandas, e muito mais.
Use os 5 sentidos nas suas descrições: visão, olfato, tato, audição e paladar. Mire sempre que possível na descrição sensorial para manter o leitor engajado.

Lembre-se porém que muita descrição pode potencialmente colocar o leitor para dormir. Todos nós já passamos por isso como leitores: o livro estava indo bem, e de repente o escritor parou para fazer uma longa e exagerada descrição de alguma coisa e zzZZzz…
Embora a tentação seja grande, evite as longas descrições do seu cenário. Vá desvendando o seu universo aos poucos, conforme o necessário, aqui e ali, para não cansar o leitor com imensas “paredes de texto”.
Evite também fazer as mesmas observações todo tempo, porque isso cansa o leitor. Se a estória se passa no verão e esta calor, evite repetir a todo momento o quanto esta calor. O leitor com certeza entendeu que estava calor da primeira vez que leu. Use outra maneira de fazer o leitor entender que esta muito quente: o ventilador de teto que não é desligado, o copo suado da bebida gelada, as ondas que sobem do asfalto e formam uma miragem, o céu sem nuvens, cortinas abertas que não se movem por falta de vento, etc. Se for realmente necessário escrever que “esta muito calor” mais uma vez, assuma a repetição.
Outra coisa a considerar é que se for escrever sobre algo real, tente ser preciso na sua descrição. Descrever uma fruta com a cor errada, ou errar a textura de um tecido/objeto, ou a localização de um monumento famoso é quase fatal: isso tira o leitor da sua estória e é difícil de se recuperar.
Caso esteja escrevendo uma estória que se passa em outra época, pesquise sobre o uso de jargão e expressões que eram usadas. Você não precisa necessariamente usar estas expressões, mas ter noção delas ajudar a ter uma idéia de como era o mundo naquele momento.
Evite usar gírias que não condizem com a época que esta escrevendo. Em 1980 ninguém falava lacrei, por exemplo. Se existe uma coisa que envelhece o texto e o deixa super datado são as gírias. Alguns livros bons sofrem com o uso exagerado de “um pão/gato” “um broto” e o trágico “é brasa”. Se puder, evite usar gírias, a não ser que elas façam parte da personalidade do personagem: um tiozão que usa gírias antigas pode ser aceitável, mas em um descrição, não.
Para cenários que não existem eu confesso que já usei locais fictícios de filmes/séries que gostei como ponto inicial para criar o meu próprio universo.
Agora se for usar um local real como inspiração, pesquise bastante. Eu gosto de usar o Google Maps para passear por ruas das areas que não conheço muito bem para poder “sentir” como seria estar ali. Faço uma boa pesquisa que inclui muitas fotos, curisidades e história sobre a área.
E a melhor parte é que enquanto faço minha pesquisa já começo a imaginar meus personagens por ali, vivendo e interagindo uns com os outros. Já aconteceu inclusive de fatos que descobri durante minha pesquisa inspirarem a minha estória. Quem sabe isso pode acontecer com você também?
Livro consultado enquanto escrevia este post: Bickham, Jack M. Setting. Writers Digest Books, 1999.